Fernando Collor - De Caçador de Marajás a caçado pelo Senado

Fernando Collor de Melo, de jovem político "cool" a desastre económico até à sua queda em 1992. Saiba o que aconteceu durante a sua presidência e um dos momentos mais controversos da política brasileira com o Plano Collor.

O que foi o Plano Collor? Qual foi o objetivo do Plano Collor? Quais foram as consequências do Plano Collor? Porque plano falhou e o que aconteceu com as poupanças no Plano Collor? A Globo foi tendenciosa no infame debate? O que foi o movimento dos caras pintadas?

Contexto político da época

Para perceber um pouco melhor o momento histórico, o Brasil tinha saído há pouco tempo da Ditadura Militar, que durou entre 1964 a 1985. José Sarney foi o primeiro presidente civil escolhido de forma indireta.

Na verdade, quem foi eleito foi Tancredo Neves, mas infelizmente Tancredo faleceu pouco depois de tomar posse, sendo que José Sarney, que era o seu vice, é que ficou como presidente.

Apesar dos esforços de Sarney, a inflação não parou e a crise económica ficou por resolver, porém, é no governo de Sarney que é aprovada a constituição de 1988 que garantiu uma mudança importante, as eleições diretas. ¹

O tema da inflação e da economia seria um pesadelo para muitos brasileiros. Tal como num filme, todos os elementos estavam preparados para uma história com voltas e reviravoltas. O governo de Sarney chegava ao fim.

Linha do tempo da presidência de Collor (clique para ampliar)

As eleições de 1989 - Fernando Collor e Lula da Silva

Até que chegamos a 1989, e um marco na democracia brasileira, as primeiras eleições diretas após a ditadura. Estiveram em disputa 22 candidatos, entre os quais Fernando Collor e Lula da Silva.²

A campanha de Fernando Collor criou a imagem do jovem político, um homem ativo, pai de família, religioso, bem-sucedido para apelar ao eleitorado, sendo capa na revista Veja.³

Fotografias da revista Veja mostrando Collor

O seu principal oponente, Lula da Silva, confrontou Collor num debate que foi considerado infame. A Globo decidiu fazer resumos para os seus programas jornalísticos, e em um dos resumos que foi feito para o Jornal Nacional, a edição foi feita de forma que beneficiava Collor ⁴ ⁵.

O outro motivo pelo qual este debate ficou infame foram as estratégias confessadas mais tarde por Boni que ocupou cargos de direção da Globo para deixar Collor mais apelativo. De acordo com Boni, Lula era visto como um candidato vindo do povo, e Collor era visto como autoridade. Para isso, colocaram pastas vazias em cima do púlpito do qual Collor debatia para fingir serem as denúncias contra o Lula.⁶

E uma acusação vinda de Collor durante o debate, Lula queria dar um calote nas cadernetas de poupança do povo. Mal o povo sabia o que estava por vir.

Fernando Collor acusa Lula de querer dar calote nas poupanças do povo

As eleições decorreram em dois turnos, no fim, Collor foi eleito presidente. Tomou posse a 15 de Março de 1990 e apresentou o seu plano no dia seguinte. O Plano era chamado de Brasil Novo, mas ficou conhecido como Plano Collor.

O Plano Collor

O plano Collor veio no contexto de uma crise económica profunda. A inflação esteve acima dos 100% nos anos anteriores⁷ e medidas teriam que ser tomadas.

O plano Collor, elaborado por Zélia Cardoso, foi dividido em 3 partes, mas a primeira parte, aquela anunciada no dia após a tomada de posse deixou todos surpresos.

O plano incluiu a mudança da moeda de cruzado-novo para cruzeiro na proporção de 1 para 1, congelamento de salários, extinção de empresas do estado, entre outras, mas que teve mais impacto foi o confisco⁸ das poupanças e de aplicações overnight (investimentos de curto prazo que pagavam o mesmo ou perto da taxa de inflação de um dia para o outro).

O confisco, ou seja, o congelamento das contas, ou a apropriação pelo estado, foi feito da seguinte forma: os valores acima de 50 mil cruzeiros, que na altura equivalia a 1600 dólares, seriam retidos. O valor seria devolvido em parcelas por 18 meses com correção monetária e uma taxa de juro de 6%⁹

Filas nas agências bancárias após anúncio do confisco

A medida causou desconfiança e funcionou apenas como um paliativo. Na altura, as aplicações financeiras rendiam taxas de juro altas (a inflação também era alta) e, por isso, as pessoas, mesmo de baixas condições económicas, depositavam os valores para não perder poder de compra¹⁰

Com o anúncio do confisco, foi decretado feriado bancário por 3 dias e a classe média correu para o banco para tirar o dinheiro gerando filas gigantescas. O congelamento e a falta de dinheiro pela corrida às agências despoletaram um evento em cadeia com enfartes, falências e suicídios.¹¹

A ideia era que, ao retirar o dinheiro de circulação, o consumo baixasse. O resultado seria travar a inflação. O plano resultou, mas durou pouco tempo. O desemprego subiu, a desconfiança era alta e a inflação voltou com toda a força.¹²

A presidência de Fernando Collor estaria para levar o golpe de misericórdia, vindo do seu irmão, Pedro Collor.

Pedro Collor conta tudo

Durante a campanha eleitoral, Fernando Collor era uma personalidade famosa, com o seu slogan "Caçador de Marajás" pela sua luta contra a corrupção de funcionários públicos que acumulavam salários altos sem o devido merecimento. Fernando Collor teve até o apoio de figuras públicas como Cláudia Raia.¹³

A sua imagem imaculada sofreu desgaste com a sua presidência e o falhanço do Plano Collor, até que a revista Veja publica uma matéria em Maio de 1992 que levaria à sua queda.

A entrevista que levou à queda de Collor

A matéria era uma entrevista com Pedro Collor, o irmão do presidente, em que contava, além de várias coisas, que Fernando Collor tinha consumido cocaína na juventude e PC Farias, um empresário e ex-tesoureiro da campanha eleitoral, era testa-de-ferro do presidente. ³ ¹⁴

Um testa de ferro é alguém que age por intermédio de alguém, escondendo a verdadeira identidade do mandante.

VEJA – A rede de comunicação seria de PC Farias?
Pedro Collor – O PC seria o testa-de-ferro. Era uma empresa de testa-de-ferro, que teria o jornal e de doze a catorze emissoras de rádio.

Fernando Collor em estado de desgraça

Após a entrevista, em Junho de 1992 é instaurada uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Durante a Comissão, Pedro Collor acusou novamente PC Farias de ser testa de ferro. O motorista de Collor afirmou que foram feitos depósitos na Secretária do Presidente pelo testa-de-ferro, e que obras feitas numa das propriedades do presidente foram pagas por uma empresa¹⁵.

Em resumo, tráfico de influências, irregularidades financeiras e a existência de contas bancárias fantasmas.

Em 16 de Agosto, o presidente Fernando Collor pede à população que saísse à rua com as cores da bandeira do Brasil para mostrar o apoio ao seu governo. O povo saiu, mas com o objetivo contrário, rostos pintados de preto, verde e amarelo saíram em protesto contra Collor. Este movimento ficou conhecido como o "movimento dos Caras Pintadas" ¹⁶

Movimento dos Caras Pintadas

A pressão foi aumentando com os protestos dos Caras Pintadas e as conclusões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito levaram à instauração do processo de impeachment em Outubro de 1992. A 29 de Dezembro deveria começar o julgamento, mas Fernando Collor renunciou através de carta.¹⁵ 

Fernando Collor não era mais presidente do Brasil.

E onde estão hoje?

Lula se tornaria presidente, por duas vezes, sendo hoje em dia o atual presidente do Brasil.

Zélia Cardoso se mudou em 1997 para Nova York onde trabalha como consultora de economia¹¹.

PC Farias, o testa-de-ferro, faleceu em 1996 uma semana antes de depor em uma CPI¹⁷. Dizem que ele foi morto pela sua namorada num crime passional, outras versões dizem que ele e a namorada foram assassinados.¹⁸

Quanto a Collor? Após ter recuperado os seus direitos políticos, hoje em dia é Senador pelo estado de Alagoas.¹⁹

Fontes:

1. Silva, Daniel. “Governo José Sarney: Características e Contexto.” Brasil Escola, https://brasilescola.uol.com.br/historiab/governo-jose-sarneypolitica-externa.htm. Acedido 18 Abril de 2025.
2. Vaiano, Maria Clara. «Diretas Já: entenda como foi a primeira eleição pós-ditadura no Brasil». Galileu, 16 de novembro de 2022, https://revistagalileu.globo.com/sociedade/historia/noticia/2022/11/diretas-ja-entenda-como-foi-a-primeira-eleicao-pos-ditadura-no-brasil.ghtml.
3. Juchem, Vinícius Viana. A cobertura jornalística da Revista Veja sobre a crise política de 1992. 2013, http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/4405.
4. “Eleições Presidenciais - 1989.” memoriaglobo, 28 Out. 2021, https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/eleicoes-presidenciais-1989/noticia/eleicoes-presidenciais-1989.ghtml.
5. “Debate Collor x Lula.” memoriaglobo, 29 Out. 2021, https://memoriaglobo.globo.com/erros/debate-collor-x-lula/noticia/debate-collor-x-lula.ghtml.
6. Pragmatismo, Redação. “Após 22 anos, Boni admite que Globo armou contra Lula para eleger Collor.” Pragmatismo Político, 29 Nov. 2011, https://www.pragmatismopolitico.com.br/2011/11/apos-22-anos-boni-admite-que-globo.html.
7. “Taxas de inflação no Brasil.” DadosMundiais.com, https://www.dadosmundiais.com/america/brasil/inflacao.php. Acedido a 19 Abril de 2025.
8. «Plano Collor». Brasil Escola, https://brasilescola.uol.com.br/historiab/plano-collor.htm. Acedido 19 de abril de 2025.
9. Plano Collor: a estratégia fracassada de confiscar poupança para combater a inflação. março de 2025, https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgw1r84dlyo.
10. Campos, Tiago Soares. «Plano Collor». Mundo Educação, https://mundoeducacao.uol.com.br/historiadobrasil/plano-collor.htm. Acedido 19 de abril de 2025.
11. «Entre infartos, falências e suicídios: os 30 anos do confisco da poupança». G1, 17 de março de 2020, https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/17/entre-infartos-falencias-e-suicidios-os-30-anos-do-confisco-da-poupanca.ghtml.
12. «Como Plano Collor confiscou dinheiro da classe média e afundou economia?» O Globo, 16 de março de 2025, https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/post/2025/03/como-plano-collor-confiscou-dinheiro-da-classe-media-e-afundou-economia.ghtml.
13. Minervino;, Tiago. «De caçador de marajás à condenação: o auge e a queda de Collor em 5 pontos». Com.br, 25 de maio de 2023, https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/05/25/de-cacador-de-marajas-a-risco-de-prisao-auge-e-queda-de-collor-em-5-pontos.htm.
14. VEJA. «A entrevista que Pedro concedeu à VEJA há 20 anos e que está na raiz do ódio que Fernando Collor tem da revista». VEJA, 8 de maio de 2012, https://veja.abril.com.br/coluna/reinaldo/a-entrevista-que-pedro-concedeu-a-veja-ha-20-anos-e-que-esta-na-raiz-do-odio-que-fernando-collor-tem-da-revista/.
15. «20 anos do IMPEACHMENT do Collor». Portal da Câmara dos Deputados, https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-de-materias/20-anos-do-impeachment/20-anos-do-impeachment-do-presidente-fernando-collor. Acedido 19 de abril de 2025.
16. Politize!. «Entenda o que foi o Movimento Caras-Pintadas». Com.br, 10 de setembro de 2020, https://www.politize.com.br/movimento-caras-pintadas/.
17. Duarte, Alessandra. «PC Farias: Tesoureiro de Collor comandou rede de ‘fantasmas’». O Globo, 10 de maio de 2013, https://oglobo.globo.com/politica/pc-farias-tesoureiro-de-collor-comandou-rede-de-fantasmas-8360192.
18. Wikipedia contributors. «PC Farias». Wikipedia, The Free Encyclopedia, https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=PC_Farias&oldid=69764133. Acedido 19 de abril de 2025.
19. «Senador Fernando Collor - Senado Federal». Leg.br, https://www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/4525. Acedido 19 de abril de 2025.